"We all got it coming, kid."

Assistir a um western é uma sensação curiosa, especialmente para quem nasceu dos anos 80 pra frente. Nós não crescemos vendo John Wayne, Henry Fonda, Charles Bronson (ok, esqueçamos Desejo de Matar por alguns minutos), James Coburn e outros tanto cowboys que levaram nossos pais e avós ao cinema. Nós não tivemos o prazer de irmos ver os chamados western spaghetti, como os tantos filme de Sergio Leone. Hoje são feitos alguns filmes do gênero, como Os Indomáveis ou Appaloosa mas... falta alguma coisa. E não é puro saudosismo, mesmo porque eu sou de 1984. Hoje em dia, diante de tantos recursos, diantes de um Avatar da vida, é até curioso ver um filme de "mocinhos e bandidos", um bang bang, como minha tanto gosta de dizer, seja ele novo ou de 1968, como o clássico Era Uma Vez no Oeste.

Mas, por outro lado, é um privilégio poder ver uma pérola como Os Imperdoáveis (Unforgiven), o clássico de 1992, de ninguém menos que Clint Eastwood, hoje talvez mais conhecido por filmes como Menina de Ouro (2004) ou Gran Torino (2008), ou seus dois filmes de guerra feitos praticamente ao mesmo tempo, o magnífico Cartas de Iwo Jima e o irmão pobrezinho, A Conquista da Honra, ambos de 2006. Clint Eastwood é uma lenda viva do cinema, ícone máximo do cinema "macho", e sua biografia é uma coisa impressionante de se ler. E ao mesmo tempo é um diretor de primeira, que consegue, ao mesmo tempo, ter filmes duros e sensíveis, com personagens, por vezes interpretados por ele mesmo, que têm os dois lados (duro com os filhos, mas sensível com os vizinhos coreanos), como o Walt Kowalski de Gran Torino.

E Walt tem um predecessor chamado Bill Munny, o cowboy de Os Imperdoáveis. É um filme impressionante, com uma fotografia de cair o queixo (ver a imagem de dois cowboys andando a cavalo contra o pôr-do-sol ainda é impressionante) e tem... bom, tem Clint Eastwood. E Morgan Freeman, como Ned Logan, o grilo falante de Munny. E Gene Hackman, como o violento xerife "Little" Bill Daggett. E tem um roteiro sensacional, que mostra como um fora-da-lei ruim pode ser um homem bom, mas que, aos poucos, volta a ser... bem, ele mesmo. As epígrafes do começo e do fim do filme são importantes, marcando o ponto em que Munny estava e a que volta posteriormente, mas o enredo dá ao espectador o prazer de ver Munny/Eastwood tornar-se Munny/Eastwood. Do mesmo modo como ele deixa sua vida de lado por uma paixão (epígrafe I), ele volta a ser por outra, dessa vez pela paixão da amizade com Ned Logan, cruelmente assassinado pelo xerife (atuação magnífica de Hackman, a ponto de não ser possível sentir raiva dele). Mas não é um caminho sem volta (epígrafe II), do mesmo jeito que o lado bom dele não é. Cultura herdada dos western spaghetti (Eastwood ganhou muito da sua fama com esse gênero), em que não é fácil ver mocinhos e bandidos, cowboys e índios, mas homens bons levados ao seu limite e homens maus que ganham sua simpatia por fazerem o que é "certo". Como ele diz, todo mundo está sujeito a bons e maus acontecimentos, explicando sua visão dura e certa de mundo ao jovem parceiro, Scholfield Kid.

De um homem dócil, até, se chega à entrada final em New Whiskey (uma das melhores cenas que já vi, com a chuva e a garrafa de whiskey jogada no chão depois de 11 anos de sobriedade, do ponto de vista do cavalo, fantástico!) de um homem disposto a se vingar, mas das pessoas certas, pelos motivos certos, que volta a ter as habilidades uma vez enferrujadas, mas nunca perdidas (o tiroteio final no bar de Skinny é uma ilustração de absolutamente tudo que é dito no filme, especialmente as narrativas para Beauchamp, o escritor). Munny sai do bar exatamente do modo que ele tanto tentava deixar pra trás, profetizando "You better bury Ned right!... Better not cut up, nor otherwise harm no whores... or I'll come back and kill every one of you sons of bitches", mas não como o homem que passa a maior parte do tempo bêbado ou mata mulheres e crianças, que já matou tudo "that walks or crawled at one time or another". Como ele anuncia diante de todos, "I'm here to kill you, Little Bill, for what you did to Ned", depois de finalmente admitir seu passado, mostrando como é possível que o protetor pode, às vezes, fazer as vezes do matador a sangue frio (um recado para os EUA, talvez?).

Não dá pra não ver e admirar Clint Eastwood em cena, mas eu tenho que admitir: nem como o pistoleiro sem nome nos filmes de Sergio Leone (como Três Homens em Conflito, de 1966) eu tinha ficado tão impressionado com ele, com uma personagem, com um enredo que até tem ares de desculpas por uma carreira tão voltada para violência (além de tudo, ele foi o policial "Dirty" Harry Callahan, do melhor estilo "atire primeiro, pergunte depois"), com um homem que busca sua própria redenção diante de uma vida desgarrada sem, no entanto, conseguir efetivamente deixar esse seu lado para trás.

É um bang bang, mas dos filmes mais bonitos que já vi, com uma cena tão marcante quanto a entrada dele na cidade para o matadouro do bar, quando ele nem sabe direito quem mata, só acha que deu sorte na ordem. Duro, violento, mas ao mesmo tempo sensível. Esse é o nosso Clint Eastwood, em comparação àquele que nossos pais iam ver no cinema e por quem vibravam, e por isso talvez nosso prazer, pelo menos pensando nele, é infinitamente maior do que o dos nossos pais.
1 Response
  1. Otavio Says:

    Além dos excelentes Menina de Ouro e Gran Torino, cito mais um exemplo da genialidade de Clint Eastwood: a direção de Sobre Meninos e Lobos (que afinal foi o primeiro trabalho dele a chamar realmente minha atenção para o seu talento), com um enredo de violência e vingança horripilantes, mas riquíssimo e convidativo para reflexões variadas.E, mal sabia eu, que já há um tempo, ele tinha contribuído com obras-primas da qualidade de “Os imperdoáveis”

    Também não tive praticamente nenhum contato com Western, porém, independente de qualquer estilo, qualquer espectador consegue apreciar o filme em questão.
    Vi o enredo como uma história de redenção às avessas, de um homem, extremamente frio, mal e desordeiro no passado, que conseguiu resgatar sua vida (como conseqüência do grande amor da sua vida?), mas que, talvez desiludido com a morte da sua esposa, pessoa que mais amava na vida ( a ponto de lhe ser fiel até na morte recusando a tentações de sexo fácil) e com dois filhos pequenos para sustentar e criar e, ainda com dificuldades em ganhar a vida no ambiente áspero e duro do Oeste Americano, resolve aceitar uma proposta tentadora: matar (algo que ele sabia fazer com extrema facilidade em épocas passadas) por dinheiro (ou, se pode, entender também que, como foi escrito, no fundo ele, pondo o pé na estrada para matar, além da recompensa financeira, ele voltaria a ser ele mesmo)

    O filme nos convida a reflexão da dicotomia Bem versus Mal, como os dois lados podem ser próximos e às vezes meramente dependentes das circunstâncias (reflexão está, aliás, que marca outras tantas películas de Clint Eastwood).

    Concordo também que as interpretações de quase todo o elenco são magistrais (destacando, claro, o protagonista Munny/Eatswood e o cruel xerife Little Bill/Hackman que exagera na maldade como pretexto para alcançar e manter o “Bem” para o povoado em que se passa a história. Há de destacar a preciosa e, sempre despretensiosa, atuação de Morgam Freeman, com “cara de bobo” ele, na minha opinião, fez também mais uma grande atuação Abro aqui um parênteses para cita a atuação de Eastwood em Crime Verddadeiro , filme onde ele assina a direção e vive a personagem principal (um jornalista fanfarrão, mulherengo e com bom faro para detetive), o filme, apesar de discutir um assunto manjado como a pena de morte,vale a pena conferir!

    Também achei o cenário belíssimo, a começar da cena de fundo do começo onde se exibi um belíssimo pôr do sol. A cena da chuva com razão foi muito bem feita e emblemática para retratar o ambiente de suspense e violência do filme.

    Enfim, mais um filme que, na minha opinião, deveria entrar na lista de filmes obrigatórios para se ver antes de fazermos a temida passagem!