Ah, Penelope Cruz...



Depois a gente fica apaixonado por você (mesmo não sendo você quem realmente canta, mas todo o "resto" de Volver me fazer pensar assim, e todos os outros filmes, e Vicky Cristina Barcelona), e você vai lá e se casa com o Javier Bardem. Assim não dá.

"Alguém tem que saber fazer esse mingau."

Nesses últimos tempos, andei conversando muito sobre cinema nacional, e semana passada isso tomou proporções “internacionais”, porque deu pra ver que esse preconceito que as pessoas têm contra o santo de casa que não faz milagre não se restringe ao Brasil, mas também ao Chile, à Colômbia e talvez até à França. Afinal de contas, a grama do vizinho é sempre mais verde, especialmente quando essa grama tem um verde californiano. O argumento é quase sempre o mesmo: o filme mostra uma realidade tão “de casa” que não tem graça, é filme violento, é filme ruim. Mas principalmente essa coisa da realidade, de ser uma coisa cotidiana e, por isso mesmo, sem graça – afinal de contas, pra que ver a “nossa realidade” sofrida, não é mesmo? Muita hora nessa calma, camarada.

Daí que eu começo a minha defesa ao cinema brasileiro, ao cinema portenho (ou argentino, se for mais fácil), e começo a buscar mais “produtos” tanto brasileiros quanto latino-americanos, e tenho tido gratíssimas surpresas, como diria certo agregado machadiano. E a última dela foi o brasileiro Tempos de Paz, de 2009. Um filme com dois atores consagrados (os ótimos Tony Ramos, ex-Juca, eternamente peludo, e Dan Stulbach, exímio tenista da Helena Ranaldi e corinthiano, graças a Deus) que, muita gente não sabe, já tinham levado a peça ao teatro pra depois fazer o filme, sendo que isso é incrivelmente raro. Não de se ter uma peça transformada em filme, mas tê-lo com os mesmos atores, e acho que não é segredo pra ninguém que muitas vezes atores geniais no palco são péssimos com as câmeras e vice-versa.

Bom, daí que é um filme de época, 18 de abril de 1945. Isso é bom sinal, vai agradar a quem curtiu Terra Nostra e porcarias globais similares. E daí que é justamente um filme que se passa em algumas horas, num ambiente só, praticamente, e é um filme até parado, porque o cerne dele está num diálogo. Simples assim, e até absurdo, porque alguém vai dizer “Ah, vá... era só liberar o cara, pra que tudo isso?”. Pois é, pra quê? Pra mostrar justamente o papel da arte. É um filme sobre a brutalidade em duas culturas diferentes, que só podem se aproximar porque duas pessoas vítimas e produtos dessa brutalidade, dessa solidão, se aproximam, se abrem e, especialmente Segismundo (Ramos), sem nem mesmo entender, se rende ao poder da arte de transformar, de emocionar (“E o pior é que eu não entendi nada que o sujeito disse!”). No caso aqui, essa arte é claramente o teatro, tão relegado por tanta gente, tido como “chato” ou coisa de gente metida, mas aqui o meio pelo qual as duas culturas, os dois passados de violência e brutalidade são aproximados a ponto de se criar afetividade, de maravilhar, de fazer cumprir seu papel. Teatro que, desde o gregos, é a representação da vida mais simples e de mais fácil acesso, de mais fácil entendimento, e ainda assim uma das formas de arte mais difíceis para os atores, que têm que mostrar que aquilo ali não é simplesmente uma abstração da realidade, mas uma mímesis desta, sem os recursos cinematográficos, repetições e retoques. O making of do filme mostra que Daniel Filho, o diretor, tem essa preocupação.

Nesse ponto, Tony Ramos dá uma aula de atuação, da bruta truculência à expressão de uma criança que descobre algo novo, algo que ele não sabia que estava lá, apesar do que diz no começo do filme sobre teatro e a Europa (afinal, era uma peça de um autor espanhol que se passa na Polônia, e isso o toca muito mais que uma mulher brasileira que emite promissórias pelo rádio). Mérito também a Dan Stulbach, que consegue colocar tamanha emoção num personagem, e fazer teatro dentro de um filme (ou, no caso, teatro dentro do teatro). Sua menção ao grande Carlos Drummond de Andrade (no começo do filme ele recita “Mãos Dadas”, de O Sentimento do Mundo – se você não conhece ainda, discretamente abra o Google, dê um sorriso amarelo ou faça cara de paisagem, leia e finja que já sabia depois) não é de graça, especialmente com seu questionamento interno sobre a possibilidade de haver teatro (arte) depois dos horrores que o mundo viu com a II Guerra, e daí sua vontade de ser agricultor, de construir algo concreto, que dá frutos visíveis e é alheio à nossa barbárie uns aos outros. Mas isso é algo um tanto quanto impossível, como se vê com o desenrolar do filme, e sua genial representação em plena sala de imigração. Além disso, o modo como Clausewitz (Stulbach) se mostra decepcionado com a língua portuguesa deveria ser um ótimo exemplo de toda a carga que uma língua traz consigo mesma, apesar de que tem gente que diz que é tudo “só” língua, e que falar uma ou outra dá no mesmo. Ledo engano da alma e da cabeça.

Agora, se mesmo assim ainda não deu pra pegar o espírito da coisa, eu vou citar um trecho do filme. Sim, é um pouco spoiler, mas deveria ser desses que faz a gente querer ver o filme. A ver:

Eu não sei para que serve teatro no mundo depois desta guerra. Só sei que eu tenho que continuar a fazer o que eu sei fazer. Um dia alguém vai saber para que serve, não? Se serve. Para mim, me basta fazer. Fazer teatro.

E é isso que a arte faz. Ela simplesmente faz, sem ter obrigação ou finalidade nenhuma, porque isso é papel do observador, que vai entender com a sua própria linguagem, do jeito que lhe convir e, espera-se, se emocionar com aquilo.