"Gostei do cabra."

Apesar do que se lê sobre O Som ao Redor (2012), fica difícil "encaixar" o filme naquele tradicional fio narrativo que compõe, give or take, 90% dos filmes a que se assiste. A sinopse oficial traz o seguinte:

"A presença de uma milícia em uma rua de classe média na zona sul do Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada, outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada e mãe de duas crianças, Bia (Maeve Jinkings) tenta encontrar um modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho."

E daí lá vai o espectador médio, aquela pessoa que curte ir ao cinema e ver filmes, com certa expectativa, considerando que o filme está bem cotado, muita gente comentando. Cinema brasileiro de qualidade, certo? Pois é, certíssimo!, mas a grande maioria das pessoas vai ter aquela reação de que acabou de ver um filme que não fala sobre nada, promete muito e não cumpre (é inegável a sensação no filme de que sempre vai acontecer alguma coisa), e que é uma bosta. Ou que é complexo demais, não deu pra entender Fuleco nenhum do que aconteceu.

Por que será que é tão difícil ser entretido pelo cotidiano, pelo nada que muitas vezes ocupa nossas vidas? Não é todo dia que um grande amor acontece; não é todo dia que alguém é sequestrado, e um grande herói parte em seu resgate; não é todo dia que temos desastres naturais e a frenética luta pela sobrevivência que se segue; não é todo dia que um grupo na escola decide fazer uma aposta, ou uma viagem, que mudarão a vida de todos os envolvidos; nem todo dia ciclos se fecham. Muitas vezes nossos dias são tão pacatos e "sem nada" quanto podem ser, com o cachorro do vizinho, a reunião de condomínio, a caminhada noturna, a festinha de aniversário, o sonho esquisito no meio da noite.

Mas também os detalhes fazem toda a diferença, em termos da narrativa, mesmo porque entrar no mérito do som do filme exige certo conhecimento técnico que pode minar qualquer comentário, por mais que seja gritante (háh!) a importância do recurso sonoro. São esses detalhes que mostram, de forma incrivelmente sutil, que o filme tem, sim, seus ciclos e que eles são concluídos; um dos quais é, sem dúvida nenhuma, o mais importante. Mas é um fechamento sutil, tanto quanto o começo, este numa foto que praticamente passa despercebida, e só quem é mais atento pra chamar a atenção, mesmo que 4 ou 5 dias depois.

Isso porque um filme sobre "nada" consegue ser daqueles que incomodam, levam a uma reflexão que dura dias. Sempre ali, incômodo, pronto pra dar uma pontada de que ainda existe mais por trás do que se viu, e que é um exercício até mesmo sobre nosso cotidiano "sem graça", em que não acontece nada - o que também é retratado no badaladíssimo Medos Privados em Lugares Públicos (2006), ou em tantos outros, mas que sempre se apoiam sobre acontecimentos fora do normal, que nos fazem parar a vida pra pensar, quando, na verdade, isso acontece todo dia, a toda hora.