"Comigo foi sempre assim, parceiro.", pt. II

Tá bom, essa semana eu tive uma conversa que me fez pensar um pouco mais sobre o Tropa de Elite 2, especialmente no que diz respeito a uma coisas que eu mesmo escrevi no outro post:

"Mas é também um filme muito mais pretenso, e simplifica a coisa como um todo, apesar de que talvez seja essa a melhor forma de mostrar o tamanho do problema que é a corrupção, e não só na Polícia."

Não foi sobre a Polícia que fiquei pensando, mas sobre ele ser um filme pretenso, e sobre o sistema, e sobre o Coronel Nascimento (acho que eu gostava mais de dizer "Capitão"). Talvez esteja aí, pra mim, a grande falha do filme.

A narração do Wagner Moura é muito boa, fato. Tanto que ele, no primeiro filme, mudou toda a edição e fez com que o seu Capitão Nascimento fosse o personagem principal (pois é, não era pra ser ele, e quem assiste à edição pirata percebe isso um pouco melhor, e daí é só ler o livro pra ver que não existe nenhuma menção a um certo Capitão Nascimento - hã hã? - lá), e não só pelo falatório. Mas parece que agora ele fala até demais, tem que explicar tudo, tin tin por tin tin, e... fica demais. Mas isso não fica estranho, se alguém fizer um pouco de análise de discurso no filme, passando do nível superficial.

É bem claro que o "sistema" é o grande vilão, que temos policiais corruptos, que se relacionam a políticos corruptos, exitem as tais milícias e daí temos toda a merda do filme e da vida real. Vemos tudo que acontece nas comunidades carentes, e vemos o alto escalão da política. Mas... e a classe média? No primeiro filme isso é muito fácil de ver, com a universidade, o tráfico de drogas e tal, é dedo apontado na cara do quem vê, mas e agora? Fica uma coisa meio abstrata até, não atinge diretemente àqueles que são, por vezes, os maiores culpados. Comunidade não elege, sozinha, político corrupto. Não é porque a gente não faz um gato em casa pra ter TVA que isso significa que não temos nossa culpa no cartório, até porque em teoria as classes mais favorecidas são justamente as cabeças pensantes do país, aquelas que deveriam tomar alguma atitude (Winston Smith, esqueça o papo de prole). Só que no filme isso fica implícito, "jogado" na tal cena de Brasília, com uma frase no mínimo suspeita: "E quem você acha que paga a conta, parceiro?" - ou algo assim.

Nunca duvidei da capacidade de pessoas serem idiotas, ainda mais quando se trata de uma coletividade. E vai ter, sim, gente que vai sair do cinema xingando político, pobre e milícia, sem fazer mea culpa, porque o filme não mostra isso, e nossa classe média é daquelas que gosta de informação pronta. Não vai ter cena de faculdade com gente bonita pra mostrar como a droga chega lá, e essa é a grana que financia o tráfico. Só tem cena de como comunidades estão no rolo, enquanto o resto da cidade dorme tranquila, como se desse pra separar tão bem o joio do trigo. Só que, indo um pouco mais a fundo, alguém tem que perceber que nós temos uma parcela de culpa bem grande.

É o caso de uma eleição de um Maluf da vida por quem tem empreteira e diz que ele é bom pra construção civil, pensando no próprio bolso. É o caso de quem não precisa de serviços públicos e vota no Tiririca por achar que a piada é boa. É quem compra DVD pirata na rua sem saber a origem dessa merda, não conseguindo se tocar que isso pode, sim, ser uma fonte de renda de traficante ou das tais milícias do filme. É quem não percebe que o desvio de dinheiro tira a verba de quem realmente precisa (sendo bem didático, vamos pensar: se há verba, e escolas são construídas e professores são mais bem pagos, será que vamos ter a mesma quantidade de crianças na rua, roubando?), e mantém um círculo vicioso que parece não ter fim no Brasil, e não só no Rio de Janeiro.

É foda, mas um filme tão bom quanto esse peca na hora de apontar o dedo, e não é fazendo uso da ótima narração do Nascimento o tempo todo que a coisa fica mais fácil. A situação é bem complicada, e mereceria alguns bons minutos a mais, com fala de menos, e mais imagem. O povo esquece o que ouve, mas não o que vê, e o filme não mostra a matemática que cabeças mais preguiçosas não conseguem fazer, e daí saem do cinema com raiva, xingando, mas indo tomar aqueles chopes depois e pagando pro policial que parar o carro na blitz da Lei Seca, porque isso não tem nada a ver, claro. O salto é da comunidade carente pra Brasília, não tem nada a ver com o resto do povo.
4 Responses
  1. Anônimo Says:

    A maioria dos nosso problemas está no nosso famoso "jeitinho brasileiro".
    Só quando a sociedade brasileira tomar consciência de que precisamos de uma mudança de mentalidade, nossos problemas diminuirão.
    Quem sabe um dia...


  2. Carla Says:

    Há algum tempo passou a fazer mto sentido o termo "classe média", pelo menos pra mim. Mediano, sinômino de medíocre.
    Eles e suas atitudes vantajosas:
    1.Subornam ou tentam subornar quando são pegos cometendo infração.
    2.Compram recibo para abater na declaração do imposto de renda.
    3.Estacionam em vagas exclusivas para deficientes.
    4.Emplacam o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.
    5.Quando viajam pela empresa, se o almoço custou 10 pedem nota
    fiscal de 20.
    6.Pegam atestados médicos sem estar doente e vão pro boteco.
    7.Quando voltam do exterior, nunca dizem a verdade ao fiscal aduaneiro.
    8.Jogam lixo na rua.
    9.Ficam de bico calado quando o troco está errado - pra mais, óbvio.
    E pra fechar com chave de ouro, vi isso outro dia nesse restaurante classe média que trabalho.
    10.Pedem a carne fora do ponto e depois reclamam, só porque sabem que quando o prato voltar da cozinha virá com mais um acompanhamento.

    "Primeiro levaram os negros
    Mas não me importei com isso
    Eu não era negro

    Em seguida levaram alguns operários
    Mas não me importei com isso
    Eu também não era operário

    Depois prenderam os miseráveis
    Mas não me importei com isso
    Porque eu não sou miserável

    Depois agarraram uns desempregados
    Mas como tenho meu emprego
    Também não me importei

    Agora estão me levando
    Mas já é tarde.
    Como eu não me importei com ninguém
    Ninguém se importa comigo".


    Bertold Brecht (1898-1956)


  3. Eva Says:

    Hello!
    A gente tem que separar um pouco a crítica social e a crítica cinematográfica, né? porque se o filme falasse de novo sobre o envolvimento da classe média, certeza que vc ia achar repetitivo e faltando argumento...
    O filme é bárbaro, como filme que é. A sociedade que a gente vive é essa muito bem descrita pelo post da Diana. E o nosso papel é educar e multiplicar o quanto a gente possa. Eu tenho um amigo super maconheiro que "amou" o Tropa I, ficou com aquelas de fazer as macaquices "pede pra sair" e tudo mais. Ele é classe média-alta, educado, gerentão de empresa, fala vários idiomas e simplesmente não se viu sendo criticado no filme. As pessoas não se enxergam nas críticas, isso é fato.
    Deixa o filme ser a sequência que ele se propôs a ser... não vai ser o Padilha que vai educar o povo...
    :)
    saudades! bjs


  4. Tabata Peres Says:

    “Agora o bicho vai pegar”?

    Desde o começo, pode-se ver que o filme pega o clima exatamente de onde parou no primeiro filme. A crítica de nascimento de uma posição direitista facista, que incomodou muita gente na época, continua sendo a crítica ao sentimento social de que “alguém tem que pagar”. Mas, assim como a população não viu isso na época e apenas desfrutou da carnificina, talvez não note a crítica contumaz de Padilha nesse segundo capítulo. Nascimento vai crescendo e envelhecendo e vendo que seu discurso direitista talvez não seja realmente a solução de todos os problemas e que sua posição prática radical cause mais problemas do que resolva. A questão em crítica agora não é “violência gera violência” como no primeiro filme, mas sim a pergunta maior de: Como funciona tanta violência? Além disso tudo, existe o lado pessoal da vida de Nascimento, que é cada vez mais explorado, não ficando nos flashs superficiais do primeiro filme.
    A medida que o filme vai seguindo seu rastro de destruição e vendo que, matar todos os bandidos não é matar todos os males, Nascimento vai ao berço de todo seu problema – ou pelo menos um deles – a ganância e a corrupção. Nada daquilo é feito acidentalmente e em diversos pontos do filme, a consciência política se mostra cada vez maior. Não existe “por acaso” no sistema. Talvez esse clima paranóico seja o grande climax do filme e, apesar de parecer exagerado, não é totalmente infundado.Tropa de Elite 2 consegue tratar de política sem a demagogia de “todo político é bandido” ou “a culpa é do sistema” para algo mais profundo como “esse sistema tem uma ‘cabeça’?” ou “onde foi que todos nós erramos?”, a partir do momento que Nascimento representa o cidadão revoltado de bem padrão. Ele não é diferente do telespectador normal de final da tarde dos programas policiais. Ele não é melhor ou pior do que o cidadão comum se orientação política. Ele simplesmente é uma peça da engrenagem que para de modo a refletir porque está alí, e nada revela melhor isso do que sua última fala e sua última narrativa. A película deixa bem claro que não é uma guerra perdida, mas sim uma constante luta daqueles que querem fazer o certo e os que querem fazer o “fácil”.

    Os “caveiras” ainda são os mocinhos, mesmo sendo os mocinhos que alimentam os “bandidos”, em uma dialética muito complicada, mas o heroísmo e a luta pelos ideais do “cidadão de bem” continuam lá, memo que numa área muito mais “cinza” do que a preta e branca do primeiro filme.