"This city is afraid of me. I've seen its true face."

Dizer que "ah, o livro é bem melhor, né?" parece ser uma máxima de cinema, seja quem for, falando de qualquer que seja o filme. Exemplos não faltam, daria pra fazer uma lista de 250 só com as adaptações mais fracassadas ou toscas mesmo. Tudo bem, tem umas que chegam a dar raiva mesmo, especialmente quando você gosta do livro, mas a gente não pára pra pensar que trabalho ingrato é esse, pior que ficar descascando pinhão com dedo e sem faca. 

Mas de vez em quando temos gratas surpresas, ou até mais gratas, quando o filme consegue ser melhor do que o próprio livro. Até tenho um exemplo pessoal para isso, que seria O Jardineiro Fiel (2005), do nosso Fernando Meirelles e com os ótimos Ralph Fiennes e Rachel Weisz, baseado na obra de John le Carré. O livro é bom, claro, super interessante, ritmo bom, apesar do tamanho, como os bons livros de espionagem e afins do le Carré, mas o filme... é fantástico. A históra é muito fiel, muito mesmo, mas eu diria que há duas coisas que fazem toda a diferença. A montagem do filme, começando pelo carro, que volta e meia reaparece, cada vez mais completo, e a cena do teatro de bonecos discutindo doenças na África. A outra seria Filhos da Esperança (2006), com Clive Owen. Sempre fui fã de ficção, e o filme é super interessante, mas uma colega de trabalho disse que o livro chega a ser chatíssimo. Ah, sim, e acabei de pensar em Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009), porque o livro me irritou horrores, mas do filme eu gostei, até porque as coisas ali são colocadas por um personagem, e você não sente aquele tom de "eu tenho a razão" do mané do livro.

E ao invés de fazer um contraponto dizendo que só tem porcaria, e as boas adaptações são a exceção, hoje eu vi como é complicado fazer isso, mais uma vez. Nos filmes, convenhamos que os diretores têm lá uma certa limitação de 2 horas para get the job done, até porque mesmo gente que gosta de cinema torce o nariz quando vê coisas do tipo 162 minutos - e não completamente sem razão, às vezes. Esse é o tempo marcado em Watchmen (2009), que eu terminei de ler hoje e vi hoje mesmo. Só que aqui não se trata de um livro, mas sim de uma graphic novel, ou seja, um livro em quadrinhos. Não, não é só um gibi que nem da Turma da Mônica, mas praticamente um livro mesmo, um romance, e incrível, bom pra caralho mesmo. E denso, complexo. E o filme é muito bom também, mas chega a ser injusta a comparação... convenhamos, são 12 edições para a revista, mais de 350 páginas, e como passar tudo pra tela? Fica meio óbvio que o filme não vai ser tão bom quanto, mas isso não faz dele um filme ruim, muito pelo contrário. Ele tem um grande mérito de ter tentado e ter conseguido tão bem, dentro do possível. É uma coisa comum, aliás, nesse tipo de revista, a exemplo de Sin City (2005), que é bom demais, e é fidelíssimo aos quadrinhos, mesmo em termos de imagem.

Claro, existem certas técnicas e clichês de cinema que atrapalham, como certas cenas... o Dr. Manhattan nunca entrega de bandeja a verdade sobre o pai de Laurie, como ele faz no filme, e algumas cenas são meio mastigadas pro povo, e poderiam ser bem mais fiéis à revista, mas eu só sei disso porque li. Quem nunca leu, nem vai saber, e vai gostar do filme, a menos que seja um típico espectador do água com açúcar de sempre que tanto me irrita se não for em doses homeopáticas. O Caçador de Pipas (2007) caiu tanto nesses clichês que ficou... bem, uma bomba. Horrível, ruim mesmo, e o livro tão bom. Tiraram tudo que tinha de tão forte no livro pra fazer ele ficar digerível e com um happy ending que estraga tudo, tudo mesmo. Já 1984 (1984 - ahá!) é bastante fiel, e talvez peque por isso mesmo, e por ter um narrador tão forte.

Essa parte do narrador, por sinal, é um dos grandes desafios. Como transpor uma voz que te conta tanto num livro, tão natural lá, para uma linguagem visual como a do cinema? Todo mundo que critica deveria se perguntar "Eu consigo assistir a um filme com voz narrativa?". A resposta é fácil: não. Uma boa tentativa disso foi, por exemplo, Blade Runner (1982), cujas versões finais sempre tiraram a voz do Harrison Ford narrando a história. Foco narrativo é importante por demais, e nesse ponto é que Watchmen apela, porque são diversos focos (como o jornaleiro, por exemplo, ou todas as reflexões do Dr. Manhattan, ou mesmo o pequeno jornal que recebe e ignora o diário de Rorschach, que o filme deixa como um "Oh, será?" idiota no final).

E, pra não ficar nas revistas em quadrinhos, nada mais justo que falar de Ensaio Sobre a Cegueira (2008), também do Meirelles, baseado no fantástico e fodástico livro do falecido José Saramago, portuga. O filme é bom, bem realizado (os móveis que parecem à medida que se tromba neles foi um recurso interessantíssimo, mas aposto que pouca gente percebeu), mas o livro... ah, o livro. Eu esperava um filme com cheiro, angustiante, medonho, não sei. Me ficou que, mesmo com todo o esforço, as boas atuações, o Saramago chorando ao final da exibição pra ele, mesmo com tudo isso, o filme ficou devendo, e não tinha como não ser assim. De novo, isso faz do filme um filme ruim? Não, não faz. Vale a pena assistir? Muito, sempre, até porque é um prazer ver na tela o que você só conseguia imaginar.

O caminho contrário, que não é o meu favorito, de ver o filme e depois ler, vale a pena também, como foi Eu Sou a Lenda (2007), que também é bem mais legal do que o conto que dá nome ao livro, especialmente pela Manhattan criada na telona. Mas daí porque ficou mais filme de ação com ficção, a montagem dos flashbacks bem realizada e oportuna (100% linearidade de cu é rola) e tem o carisma do Will Smith, além de que o conto é meio antigo, e certas coisas tinham que ser "corrigidas", e o fizeram na mosca. Seria muito bom se as pessoas fossem ler os livros depois de ver os filmes, e quem sabe eventualmente começariam a ler pra ver o filme, mas nem isso.

Alguns autores, por outro lado, sempre fazem livros mastigadinhos para serem transformados em filmes, como é o caso de Dan "Da Vinci" Brown, ou mesmo dos livros do Nicholas Sparks (The Notebook, A Walk to Remember e tantos outros livros que vêm - ou deveriam - acompanhados de caixas de lenços), mas daí não tem nem graça, é mais fácil ler o roteiro, porque mal tem o que comparar, e desde 1995 eu gosto desses tais estudos comparativos, por causa do Kevin Costner e do seu Robin Hood (1991), nas minhas aulas de português. O primeiro VHS que aluguei na vida, com meus pais, e foi tão legal, apesar das discrepâncias gritantes do livro com o filme, muito mais bonitinho e enlatado, embalado por Bryan Adams. 

Hoje, eu faço os tais estudos por minha conta, e fico até chato falando pra quem não leu de todas as diferenças, mas ainda vou criar coragem e fazer isso com O Senhor dos Anéis, a saga, e depois matar alguém de tédio, porque haja saco pra tanta página e tantas horas e todos os comentários que isso vai me render. Alguém me aguarde, com muito café.
6 Responses
  1. Eva Says:

    Eu tenho pensado muito a esse respeito, e tive a feliz oportunidade de "adaptar" um livro para um curta estudantil. IMPOSSÍVEL. Cruel e injusto comparar. A linguagem é outra, a arte é outra, a relação com o 'leitor' então, nem se fale. Concordo com as avaliações independentes: o filme é bom ou não é? contou bem a história do livro? porque é o máximo que se pode exigir...
    qto ao senhor dos anéis: vc tá sem nada melhor pra fazer??? hahaha
    beijos, viu como eu leio o seu blog?


  2. Aliás, o livro do Blade Runner é melhor que o filme. Aquela narração em off não tinha nada a ver com o livro, era uma tentativa de fazer um noir, mas não ficou legal porque do nada vinha a voz do Harrison Ford para te falat o que você já estava vendo na tela, como se o filme te chamasse de débil mental. Se bem que as falas inúteis pra encher linguiça são bem próprias do noir.

    Laranja Mecânica é uma adaptação em que usaram muito bem a narração em off. A voz do Alex aparecia só para fazer comentários e dar opiniões, criando uma ligação com o público, uma intimidade que te ajuda a levar a sério o personagem.

    Não achei o Watchmen muito fiel. Por exemplo, no filme, a piroca do Dr. Manhattan é bem maior e mais azul que no gibi.


  3. Anônimo Says:

    Quero me intrometer e opinar sobre o post. Aqui vai minha listinha de filmes baseados em livros que talvez pudessem render um "This city is afraid of me. I've seen its true face." Parte 2:

    (Não necessariamente nesta ordem)

    - "Dr. Fantástico" ("Dr. Strangelove");
    - "O Campo dos Sonhos" ("Field of Dreams");
    - "Nome de Família" ("The Namesake");
    - "Entre Umas e Outras" ("Sideways");
    - "Duro de Matar" ("Die Hard");
    - "O Diário de Bridget Jones" (Bridget Jones' Diary");
    - "Onde os Fracos Não Têm Vez" ("No Country for Old Men");
    - "Trainspotting, Sem Limites" ("Trainspotting");
    - "Forrest Gump, o Contador de Histórias" ("Forrest Gump");

    E, obviamente, não poderia faltar o todo poderoso...

    ♥ "Alta Fidelidade" ("High Fidelity").


  4. Says:

    eu ADORO Watchmen *-* amo a trilha sonora, as cenas, a filmagem, os atores.. TUDO! mas o filme me lembra uma pessoa.. hm.

    o Blindness eu gostei muito, me deixou meio angustiada, com aquele feeling estranho quando se sai da sala do cinema. especialmente com o final interessante. fora que adorei ver Sampa num filme tao legal! aiehaiuehae


  5. Carla Says:

    Minha pequena contribuição: não pude deixar de pensar que o filme Bridget Jones's Diary / O Diário de Bridget Jones é infinitamente melhor que o livro!
    Parabéns, adorei o post...talvez reveja meus conceitos!


  6. Glaurus Says:

    Minha adaptação favorita é o Dark Knight, não é nenhum dos gibis, é na verdade pedaços de varios montando uma historia nova e de fato não deixando de ser batman, mesmo o lado detetive dele não tão bem explorado... Mas funciona muito bem como filme :)
    Espero mesmo que façam, um remake da Historia sem Fim, dessa vez respeitando mais o universo.