"What we take for granted might not be here for our children."

O que você anda fazendo para ajudar a mudar nosso planeta, hein?

Lembrando que não é preciso ser o ex-Presidente da nação mais poderosa e poluidora que o mundo já viu, nem um grande empresário. E também que não são apenas as grandes e majestosas ações que fazem a mudança tão verdadeira quanto necessária. Cada um tem uma parte, desde nossos votos nas eleições até nosso dia-a-dia.

E hoje, você já fez alguma coisa?






"I've seen every possible ending."

Em 2007, Nicolas Cage, já meio careca / meio cabeludo, fez um filme chamado O Vidente (Next), que é bem meia-boca. Ele é um mágico (Frank Cadillac, sério?) de Las Vegas que consegue ver coisa de 2 minutos no futuro, e acaba sendo recrutado pelo FBI, depois de muita peleja, para ajudar a descobrir quem foi que levou uma bomba atômica (ou algo assim) para os EUA, e como podem ser impedidos. E... é isso. Ah, e a Jessica Biel tá um pitelzinho.

E daí que o filme tem essa premissa de ver no futuro, que é interessante e tal, foi baseado num conto do ótimo Philip K. Dick, mas dá pra imaginar um uso bem mais legal para o dom que o mágico tem no filme. São só 2 minutos, certo? Pois então, que tal poder ver esses minutos nos futuros em que você falasse aquelas coisas que sempre quis dizer pras pessoas, ver suas reações, e depois simplesmente voltar ao presente, antes de dizer?

Vamos exemplificar:

1. O namorado novo da menina chega em casa, e ela vai se trocar. Ele senta na sala, com os pais da garota, todo mundo sendo agradável, aquela coisa. De repente, ele vira e solta algo como um "Só pra avisar, já tracei sua filha, inclusive na cama de vocês, e ela gosta de quatro". Silêncio sepulcral. Os pais podem se insurgir, podem não falar nada, ou o pai ainda pode soltar um "Háh, a menina puxou pra mãe".

2. O empregado entra na sala do patrão e, sem mais nem menos, sem nenhuma explicação, lhe enfia o maior tapão na cara. Com gosto, mão espalmada, daqueles que deixam marca e fazem barulho ardido - praticamente uma raquetada de palma. Seria mais ou menos como Adam Sandler faz em Click (2006), mas sem pausar, com toda a ação rolando, e o patrão sabendo que foi o empregado quem lhe acertou.

3. (essa é muito mais de menino) O estagiário entra numa reunião com cliente importantíssimo e, no meio da dita cuja, depois de dar aquele bocejo digno de um babuíno (esse link vale a pena), dá uma ajeitada na cadeira, e solta um sonoro e malcheiroso peido. E faz aquela cara de "Que foi?" quando todo mundo olha pra ele.

Só que nada disso realmente acontece, você simplesmente vê essas reações tão diversas quanto divertidas. Diariamente dá pra pensar nisso, e ficar passando vontade, e não só com essas situações tão absurdas quanto cômicas, mas também em algumas mais sérias. Outro exemplo:

4. A namorada vira para o namorado e, na lata, lhe conta que foi infiel, que está só a fim desse outro, e que não tem muita certeza de que quer estar com ele, mas também não tem motivos pra terminar. A conversa começa assim, e os tais 2 minutos seriam insuficientes pra DR que viria depois, mas tomar a decisão de fazer uma confissão dessas requer colhões - ou peito, depende de quem vai ter que fazer.

Até caberia aqui alguma discussão sobre como na vida precisamos agir assim de vez em quando, simplesmente colocar as coisas pra fora sem pensar demais nas consequências, sermos honestos e tal, mas o legal mesmo de ter o tal dom do Frank Cadillac (ou Chris Johnson, que é o nome real do personagem) seria poder ver essas reações, tantas quantas fossem, algumas delas tão mais honestas do que nossas máscaras diárias permitem.

"C'mon. Lets go be psychos together!"

Assistir a As Vantagens de Ser Invisível (2012) dá uma sensação de nostalgia muito forte, doída até. Daquela época em que fazemos alguns daqueles que serão nossos melhores amigos. Descobrimos livros e músicas, que passam a ter significados maiores do que simples entretenimento. Temos as primeiras de tantas experiências. Conseguimos ser sinceros sem medo das consequências, a ponto de machucar pessoas. Somos ingênuos, and that's ok.

E por ser um filme que aborda o lado dos outcasts, ou "misfit toys", como o próprio Charlie define, as coisas ficam mais interessantes. Mais reais, porque são sobre pessoas que conseguem ver o que está acontecendo ao seu redor e pensar sobre isso, mesmo que seja demais. Aquele garoto que fica quieto no canto dele, e que todos acabam por achar meio estranho, com um livro no colo o tempo todo. Nada de garotões e meninas bonitas, ou mesmo as geek gatinhas que ninguém percebe até uma determinada festa, geralmente o baile de formatura. Gente que se reconhece e se aproxima, até num gesto de sobrevivência necessário.

Claro que há um senhor esteriótipo nisso, que hoje é até mais possível por causa da ascensão dos geeks e dessa coisa de ser cool, ou algo assim  (Sam já mais interessante, porque ela consegue transitar entre os "mundos", enquanto Charlie e Patrick já são mais restritos, ou mesmo Brad faz um tipo). Gente que antes era só aloprada passou a ser legal, e virou até meio modinha ser "diferente", ainda que nessa tanta gente acabe sendo mais forma do que conteúdo, até porque a própria ideia de "diferente" pode ser questionada, já que... bem, tem muita gente querendo ser, então não seria igual?

Mas Charlie, Patrick e Sam (a propósito, esqueça Hermione e se apaixone por ela, é impossível resistir) vão além disso. Fica difícil não se lembrar de Holden Caufield, resguardadas as devidas proporções; mas o bildungsroman (rápido e rasteiro, um romance de aprendizagem ou formação) é bastante gritante, e uma delícia de acompanhar, ao mesmo tempo que faz qualquer um se lembrar das próprias experiências ou lamentar por aquelas que não teve, que deixou passar por motivos que na época pareciam tão importantes e hoje são ignorados.

O negócio é que o filme é meio doído de ver, e não só por causa de alguns choques que ele pode causar com elementos bem pesados, mas por se ver nele, e por ver outros que estão sendo.

E também porque gente que diz gostar tanto de música boa demora horrores pra descobrir David Bowie. Essa não dá pra engolir, na era do Google. Sério.

"But guess what? Sunday's my favorite day again."

Talvez a indicação para o prêmio de melhor filme de O Lado Bom da Vida (2012) seja comparável àquela de Melhor É Impossível (1997), justamente por não serem duas mega produções, daquelas que levam as estatuetas por histórias mirabolantes ou pelo menos grandiosas. Ao menos é o que parece, inicialmente: não tem navio naufragando, e não se trata da história do presidente mais mitológico dos Estados Unidos, ou mesmo de um resgate espetacular realizado por - surpresa! - norte-americanos.

E são dois daqueles filmes cujos méritos estão, logo de cara, na escolha do elenco, mais do que apropriado para contar histórias que podem parecer simples mas que, na verdade, são humanamente grandiosas - e são histórias de amor, em ambos os casos. Ninguém aqui seria louco de colocar Bradley Cooper no mesmo patamar de Jack Nicholson, ainda que ele esteja melhorando cada vez mais. Jennifer Lawrence, no alto dos seus 22 anos, tem mais potencial de que Helen Hunt, que levou um merecidíssmo prêmio naquele ano, e temos um elenco de primeira como coadjuvantes: hoje, Robert De Niro, voltando a se destacar; em 1997, Greg Kinnear e Cuba Gooding Jr., surpreendentes e talvez sem nunca mais repetir atuações tão boas.

Mas bons atores não fazem verão, sozinhos. É impressionante como os dois filmes tratam de um gênero que é um perigo para clichês bobos, e melosos, sem (praticamente) nunca caírem neles. O Lado Bom ainda tem um agravante perigoso que é uma competição de dança, evento já explorado por Jennifer Lopez e outros tantos que... bem, são bonitinhos mas limitados. E essa parte é até bem previsível, mas mesmo assim não estraga o filme, longe disso. O enredo todo é tão bem construído, tão bem conduzido que você acaba por, pelo menos, estar disposto a ver um happy ending sem achar que isso vai ser um truque barato para agradar à audiência.

Isso porque são daquelas histórias tão possíveis, tão reais, e com pessoas (não ouso dizer "personagens") tão carismáticos, em situações tão possíveis e crivadas de possível que chega a deixar de ser filme, simplesmente. A ficção ganha ares de realidade a ponto de se querer o bem daquelas pessoas, que merecem mesmo coisas melhores. Que merecem uma chance de consertar, de arrumar a própria vida, que não foi arrasada por alienígenas, nem por mafiosos malvados ou supervilões: os únicos vilões são eles próprios, e seus problemas de vida real. Um mental breakdown, um marido que morre cedo demais, uma maternidade solteira, sérios transtornos obsessivo-compulsivos.

São filmes de e sobre gente que reconhece no outro alguém que é tão imperfeito quanto si mesmo, e por isso algo pode acontecer ali, por isso pode dar certo. A vida ganha outro sentido, entra nos eixos, e coisas simples, como jantares e elogios, ou jogos de futebol aos domingos, passam a ser tão importantes em dar à vida aquela perspectiva positiva, aquele lado bom.

"Gostei do cabra."

Apesar do que se lê sobre O Som ao Redor (2012), fica difícil "encaixar" o filme naquele tradicional fio narrativo que compõe, give or take, 90% dos filmes a que se assiste. A sinopse oficial traz o seguinte:

"A presença de uma milícia em uma rua de classe média na zona sul do Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada, outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada e mãe de duas crianças, Bia (Maeve Jinkings) tenta encontrar um modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho."

E daí lá vai o espectador médio, aquela pessoa que curte ir ao cinema e ver filmes, com certa expectativa, considerando que o filme está bem cotado, muita gente comentando. Cinema brasileiro de qualidade, certo? Pois é, certíssimo!, mas a grande maioria das pessoas vai ter aquela reação de que acabou de ver um filme que não fala sobre nada, promete muito e não cumpre (é inegável a sensação no filme de que sempre vai acontecer alguma coisa), e que é uma bosta. Ou que é complexo demais, não deu pra entender Fuleco nenhum do que aconteceu.

Por que será que é tão difícil ser entretido pelo cotidiano, pelo nada que muitas vezes ocupa nossas vidas? Não é todo dia que um grande amor acontece; não é todo dia que alguém é sequestrado, e um grande herói parte em seu resgate; não é todo dia que temos desastres naturais e a frenética luta pela sobrevivência que se segue; não é todo dia que um grupo na escola decide fazer uma aposta, ou uma viagem, que mudarão a vida de todos os envolvidos; nem todo dia ciclos se fecham. Muitas vezes nossos dias são tão pacatos e "sem nada" quanto podem ser, com o cachorro do vizinho, a reunião de condomínio, a caminhada noturna, a festinha de aniversário, o sonho esquisito no meio da noite.

Mas também os detalhes fazem toda a diferença, em termos da narrativa, mesmo porque entrar no mérito do som do filme exige certo conhecimento técnico que pode minar qualquer comentário, por mais que seja gritante (háh!) a importância do recurso sonoro. São esses detalhes que mostram, de forma incrivelmente sutil, que o filme tem, sim, seus ciclos e que eles são concluídos; um dos quais é, sem dúvida nenhuma, o mais importante. Mas é um fechamento sutil, tanto quanto o começo, este numa foto que praticamente passa despercebida, e só quem é mais atento pra chamar a atenção, mesmo que 4 ou 5 dias depois.

Isso porque um filme sobre "nada" consegue ser daqueles que incomodam, levam a uma reflexão que dura dias. Sempre ali, incômodo, pronto pra dar uma pontada de que ainda existe mais por trás do que se viu, e que é um exercício até mesmo sobre nosso cotidiano "sem graça", em que não acontece nada - o que também é retratado no badaladíssimo Medos Privados em Lugares Públicos (2006), ou em tantos outros, mas que sempre se apoiam sobre acontecimentos fora do normal, que nos fazem parar a vida pra pensar, quando, na verdade, isso acontece todo dia, a toda hora.

"Je ne veux rien."


O polonês Krzysztof Kieslowski tem três filmes conhecidos como "A Triologia das Cores", e parece ser consenso que A Fraternidade é Vermelha (1994) é o melhor dos três, sendo, inclusive, aquele que fecha os filmes, que podem/devem ser vistos na ordem das cores da bandeira francesa. São todos filmes interessantíssimos, que discutiam questões pertinentes à União Européia já nos anos 90, e que hoje continuam igualmente pertinentes, talvez até mais... obrigado, crise!

Mas não dá pra sequer comparar com "triologias" mais novinhas, como Crepúsculo, e nem com aquelas que são tão legais, como De Volta Para o Futuro ou mesmo O Senhor dos Anéis, porque os conteúdos não têm absolutamente nada a ver. E, sinceramente, nem vale a pena, mas o ponto é outro. Dá pra conciliar as duas coisas? Quer dizer, dá pra assistir aos filmes do Kieslowski, por exemplo, ou mesmo do Bergman, Fellini, Kubrick, ou sei lá mais qual diretor "cult" e, no dia seguinte, sentar no sofá e ver algo tão ruim e tosco, simplesmente por pura diversão?
 
É forçar a barra, mas, por exemplo, o tosquíssimo Battleship (2012), que supostamente deveria evocar a emoçao de jogar Batalha Naval, mas mais parece Transformers (2007) na água, até visualmente (o que não é nenhuma surpresa, considerando que são os mesmos produtores). É muito, mas muito ruim, de verdade, tanto que não dá pra entender por que diabos Liam Neeson está lá, além de dinheiro. Mas, assim, à sua maneira, consegue entreter por coisa de uns 60 minutos, mesmo porque não tem como assistir a tudo, é preciso pular umas partes, como os diálogos inúteis do filme, ou qualquer outro momento (até mesmo irritante, por sinal) que não seja navios atirando em navios, o que é realmente legal, até porque tudo que se tem no cinema nesse sentido são piratas pulando de um barco pro outro, e canhões disparando bolas de ferro.
 
São dois opostos: um filme BOM, que leva à reflexão, força a massa cinzenta, gera reações mais intensas e não superficiais, e deixa sua marca; do outro lado, um filme feito para DIVERSÃO. E qual o problema em curtir ambos? Talvez seja praticamente ser eclético para filmes, conseguir assisitir a duas coisas tão antagônicas, ainda que exista uma clara preferência por algum "tipo" - caso seja Battleship, é preciso procurar ajuda. Sério.
 
É mais ou menos como ser extremista, deixar de ver um filme de Hollywood porque ele é de Hollywood, sem nem querer saber se é bom ou ruim, e ficar o tempo todo vendo esses filmes-cabeça, muitos dos quais, convenhamos, são como ouvir Pink Floyd ou Radiohead: não dá pra fazer isso toda e qualquer hora. É preciso um certo mood. Ninguém chega em casa, podre de cansado, querendo esvaziar a cabeça, e coloca Persona (1966) só para aliviar. Claro, dá pra ser alguma comédia boa de Jim Abrahams e David Zucker, como o sensacional Apertem os cintos... O piloto sumiu! (1980), mas ainda assim, são filmes feitos essencialmente para divertir, como também bons filmes de ação ou aventura, um suspense e até terror.

Woody Allen, genial, é um dos diretores mais versáteis, nesse sentido. Seu senso de humor é refinadíssimo, e mesmo seus filmes mais românticos, como Meia-Noite em Paris (2011), são ao mesmo tempo leves e mais profundos, com cenas e personagens memoráveis, que se tornam referências.
 
Agora, voltando ao ponto, não tem problema nenhum em querer ver o bom e velho Arnold Schwarzenegger no que ele faz de melhor, e não tem que ser com culpa. Ter tais "pecados", ou mesmo querer sair da rotina "cult" e ver alguma porcaria no cinema, não é problema nenhum, desde que conscientemente. Nem 8, ou nada de cérebro, nem 80, só coisa cabeça, mesmo porque ser tosco de vez em quando também é saudável, mesmo que fique aquela sensação de que duas horas da vida foram desperdiçadas. Meio que tão boa quanto uma bela ressaca.

"Gerry, you are a morality-free zone."


James: Cheer up. Remember what the Monty Python boys say. 
Helen: "Always look on the bright side of life"? 
James: No, "Nobody expects the Spanish Inquisition."

* * *

Parece que a enrolação por tantos anos tinha um motivo, after all. Foram só 3 anos.

"Based on a True Story"

Não sei se é uma falsa impressão, mas cada vez mais se faz e se atrai espectadores ao cinema com os tais filmes baseados em fatos reais. No cinema, agorinha mesmo, dá pra ver Intocáveis (2011), Gonzaga: de pai pra filho (2012) e o ótimo Argo (2012), do nem sempre tão ótimo Ben Affleck, que se achou atrás das câmeras como um diretor dos mais competentes. Isso só a título de exemplo, e pensando nos últimos 10 anos, give or take.

Sem entregar o final do filme, é uma história sobre o plano de extração de 6 funcionários diplomáticos do Irã após a revolução islâmica de 1979, já que esses seis conseguiram fugir da embaixada e se refugiaram na casa do embaixador do Canadá, eh? Não é preciso ser um gênio para saber que alguma coisa deve ter dado certo, de um jeito ou de outro, ou então o filme dificilmente seria produzido. Do mesmo jeito como ninguém quer ver gente feia e pobreza de verdade na TV, duvido que a plateia do cinema vai lá querendo ver planos arriscados e ousados para salvar pessoas dando errado e gente sendo executada. Seria mais ou menos como fazer algo como À Procura da Felicidade (2006), com o Chris não conseguindo o emprego no fim e o filho sendo levado para algum abrigo pelos social services.

Mas isso tudo parte de um pressuposto: saber que os filmes foram feitos com base em fatos reais. Sobre Argo, um questionamento muitíssimo pertinente: será que se fosse pura ficção, as pessoas estariam dispostas a "engolir" que aquilo tudo foi feito mesmo, daquela forma? Pontos mil para Ben Affleck e a produção, com o cuidado técnico e histórico, com as rezas nos momentos certos, mas e o cerne da coisa? Será que se Tony Mendez fosse simplesmente alguém da cabeça do roteirista, o filme faria tamanho sucesso, ou as críticas seriam no sentido de um filme "fantasioso demais"? Se alguém consegue imaginar, deve ser no mínimo porque seria passível de ser feito, right?
 
Outro filme nesse sentido, menos de história de superação, e mais de verdade nua e crua sobre vingança mesmo é o ótimo Munique (2005), que no Brasil parece ter passado um tanto despercebido, ainda que seja um dos melhores filmes de Steven Spielberg. Claro, numa pura ficção, e nas mãos de um Michael Bay da vida, teríamos um filme de perseguições espetaculares, e não de uma coisa mais pé no chão, onde as coisas dão errado, gente inocente morre, o mocinho questiona suas ordens e motivos, sem um discurso ou catchy phrase, e o final não é necessariamente um happy ending.

Por que é que, só então, tanta gente aceita que o cinema seja assim? Mar Adentro (2004) traz uma história pesadíssima, mas verdadeira, de Ramon Sampedro, pescador espanhol que, aos 25 anos de idade, tornou-se tetraplégico e passou a brigar na justiça pelo direito de morrer - e, para quem não sabe ainda, ele morreu em janeiro de 1998, por envenenamento, auxiliado por uma amiga. Trágico e belo, isso sim, mas real. Ah, mas e se fosse uma história fictícia? Ia ser tão difícil de aceitar, ou mesmo dar razão a Sampedro? Claro, qualquer um com um caso similar em família daria razão, mas... opa! Tem um caso em casa, a história passa a ser real. Se não, corre-se até o risco de se passar indiferente a uma história assim.

Mesma coisa pra filmes de terror: A Bruxa de Blair (1999) causou alvoroço, mas não apenas pela qualidade da história, mas sim porque poderia ter sido verdade. Real, não arte. Veio Atividade Paranormal (2007), e foi a mesma ladainha, sendo que muita gente se mostrava decepcionada quando descobria que a casa usada era a do diretor do filme, até. Prefeririam que fantasmas e possessões demoníacas numa casa fossem realidade?

Se a arte imita a vida, por que é que cada vez mais precisamos desse lastro de veracidade, que supostamente dá a credibilidade necessária ao filme? Por que a ficção tem que ser só filme de assalto, de robôs ou coisas assim, ou sobre histórias que sempre acabam bem, de uma forma ou de outra? Sobre planos que, de tão geniais, nem parecem reais, sem nem chegar aos absurdos (tão legais!) da série Missão: Impossível?

Ainda há pouco tempo escrevi sobre Sete Vidas, até sobre como é difícil imaginar alguém tão bom quanto o Ben do filme na vida real, sem ser movido por remorso ou culpa ou algo maior e egoísta até, mas me pergunto se isso mudaria caso o filme fosse "baseado em fatos reais".

"[...] c’est la seule trace de notre passage sur terre."

Mais um daqueles textos de e-mail, com um tanto de spoilers. Já avisei.

* * *

Então, agora eu li o texto pra valer. Aquela vez eu te mandei mas nem li e nem tinha lido seu e-mail, porque vi que ia ser meio spoiler.

Acho que a questão é que Batman é um blockbuster, e todo mundo sabe disso. Filme de puro entretenimento, e daí não existem discussões mais sérias sobre ele. Ninguém vai falar, por exemplo, que o Batman simboliza blá blá blá, mas não só ele, como qualquer outro enlatado norte-americano. Ted, por exemplo, no máximo é um retrato de adultos infantilizados, com uma veia cômica saltadíssima e muito engraçado. Esse Intocáveis é um filme sério, e daí as pessoas passam a vê-lo sob outro prisma, como se fosse errado encarar numa boa e prestar atenção, por exemplo, à trilha sonora. Não, você tem que ver o panorama geral da Europa, ver as metáforas e afins. É sério.

O negócio é que Intocáveis é um filme sério, e concordo desde já com o que o cara diz sobre o filme de uma pessoa com deficiência, do "amizade forjada a partir de hostilidade inicial" e afins. O problema é que muita gente se esquece de tantos outros filmes assim, e parece que esse é O filme sobre isso, quando, por exemplo, se tem um O Escafandro e a Borboleta, que é muito mais interessante. Mas é bacana, mesmo, como a parte da deficiência do Philippe nem é abordada, é até meio "esquecida", salvo em situações cômicas (quando o Driss passa o telefone pra ele, por exemplo) ou pela "tensão" do encontro com a moça das cartas, a Eleanore ("E agora? Como ele vai explicar que nunca falou disso e mandou a foto em pé? Oh!"), sendo que isso é simplesmente... pulado pelo filme. Tipo, ela aceitou de boa que em 6 meses ele não tenha contado pra ela, simples assim? Mas esse tipo de atitude é louvável, ponto para o filme, e trabalhar na Disney faz isso com as pessoas, até, porque lá os próprios guests não são lembrados da condição deles, quando numa cadeira de rodas, por exemplo.

Não é que eu não tenha gostado do filme, e nem fiquei com isso de "linha narrativa" na cabeça, mas o fato é que esseS filmeS, de modo geral, são realmente feitos e encaixados pra sair tudo tão redondinho que beira ao absurdo. Você tinha alguma dúvida que o Driss ia se mostrar tão necessário que nenhum outro cuidador ia dar certo, e ele ia voltar, depois de milagrosamente botar o irmão na linha? Aliás, ele convenceu os bad guys da Mercedes preta só com um papo?

Gostei muito mais dos aspectos sobre arte do filme (o embate das músicas no aniversário do Philippe é ótimo, e aquilo ali é Adorno e massificação de arte puro, ele ia ficar de cabelo em pé!), e mesmo sobre a metáfora do imigrante x europeu, fato. É o tipo de filme que deveria fazer com que o monsieur saísse do cinema e refletisse sobre a condição do país, até do continente, sem ser pesado - e isso ele consegue fazer magistralmente -, mas o duro é que fica tanto foco na amizade bonita dos dois que as pessoas nem pensam nisso, e ainda xingam o primeiro mendigo negro pela frente com alguma referência ao imigrante. Meio que como aqui seria um cara em São Paulo ver um filme sobre nordestinos, ficar emocionado e torcer pelo cuidador de Pernambuco, e soltar um "esse baiano" depois, sabe?

Enfim, não sei se te decepciono com isso, e esse e-mail é talvez o post que eu escreveria, mas... eu gostei do filme, de verdade. Não tanto quanto Biutiful, nem de longe, até porque são dois filmes completamente diferentes. Aqui, é construção, edificação, crescimento. Biutiful é o oposto, desconstrução total de alguém, da forma mais trágica possível, que tem um final muito bonito, mas na morte. Não tem "e agora vive feliz com sua esposa", mas isso é normal. Um filme a ser comparado com ele seria justamente o Sete Vidas, talvez.

Quer me matar? Quer chocolate?

"Chegar antes foi tudo o que pude fazer."

“Andar por terras que ninguém andou, chegar em lugares em que o branco nunca chegou, porque não há nenhum lugar que o branco não chegue, chegar antes foi tudo o que pude fazer”. Assim narra Claudio Villas-Bôas, quando resolve tirar os sapatos e abandonar a vida medíocre de um burguês paulista para vestir um par de sandálias velhas, se fantasiar de caboclo goiano e viver a mais real das histórias de aventuras, em plena selva amazônica.

Essa é a premissa de Xingu (2012), o último filme do sempre competente Cao Hamburguer, que falou com todas as letras que o nome do filme pode ter sido um erro, já que... bem, que faz muita gente pensar que é um filme de índio, e por isso mesmo seria chato, ou bobo, ou coisas do tipo. Típico preconceito brasileiro, porque quando sai algo do tipo Dança Com Lobos (1990), aí é bonito, é bom, porque é gringo.

E é um filmaço, que faz um interessantíssimo diálogo entre a ficção e a realidade vivido por atores e personagens, até porque foi baseado no livro A Marcha Para o Oeste, dos autores e personagens da história, os irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas. Personagens estes que se aproximam bastante do que o Brasil tem de menos, que são heróis; gente que, na vida real, e sem a truculência de um Capitão Nascimento, conseguiu fazer algo de concreto pelo nosso país, mas de quem sabemos menos do que, por exemplo, heróis revolucionários europeus, ou mesmo assassinos seriais norte-americanos. Nossa boa e velha síndrome de vira-latas, que no máximo vê em Tiradentes um mártir, mas não um herói.

Xingu conta a história de três irmãos, dois mundos e uma missão. A narrativa dos irmãos Villas-Bôas apresenta a saga dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, uma área de mais de 27 mil quilômetros quadrados, inteiramente preservada e constantemente ameaçada. Um luta pela esperança de preservar uma cultura milenar e o direito de existir dentro de suas raízes. Uma façanha impensável que conseguiu burlar os interesses progressistas durante o efêmero governo Jânio Quadros. Se hoje, depois de décadas de democracia, ativistas ainda perdem a vida em nome da luta pela preservação dos índios, é possível imaginar a sagaz persistência que os irmãos tiveram de ter para conseguir de fato criar um Parque Indígena, que existe há mais de 50 anos e mudou o panorama de estudos antropológicos no Brasil.

E, ainda assim, quase ninguém conhece essa história. Como a gente mal conhece a história do Brasil, enquanto manja tanto da grama do vizinho. Cao Hamburguer disse que esse filme tem como "princípio", por assim dizer, ser um ponto de partida, até serve também pra mostrar para muita gente que cinema nacional não é só favela movie, comédia sofrível ou produções globais, mas que tem competência pra fazer um verdadeiro épico com material totalmente nacional.